O “querido líder”, o “escolhido de Deus”, o mais alto representante de Deus em Angola (e arredores), José Eduardo dos Santos, poderá hoje mesmo regressar à capital do seu reino, recuperado que está – segundo o MPLA – dos problemas de saúde que o levaram a estar quase um mês em Espanha. Problemas de saúde que, a fazer fé na reacção violenta da porta-voz oficiosa da Presidência da República, Isabel dos Santos, não terão passado de uma inflamação provocada por uma bitacaia.
Por Orlando Castro
O mundo não só se rende como se curva perante a envergadura de José Eduardo dos Santos. Está bem assim, Isabel dos Santos? A Coreia do Norte prepara-se para instituir o dia 28 de Agosto (dia do seu nascimento) como “Dia Internacional do maior estadista do mundo – Eduardo dos Santos”. Homenagens similares estão previstas para as maiores democracias do mundo, começando no Zimbabué, passando pela Arábia Saudita, China, Cuba, Irão e Guiné Equatorial e terminando na Síria. Por confirmar está o Estado Islâmico. O mesmo poderá acontecer numa iniciativa dos familiares das vítimas do 27 de Maio de 1977.
O Financial Times explicou em tempos, tal como o Folha 8 tem feito ao longo da sua existência, as razões que justificam que Eduardo dos Santos seja o paradigma dos paradigmas da política internacional. Nunca é demais relembrá-las, numa humilde contribuição da nossa parte enaltecer a efeméride.
1 – Angola é uma cleptocracia (regime político corrupto) e os seus dirigentes são uma elite indiferente ao resto da população. É por isso que, como escreve Ricardo Soares de Oliveira no livro “Magnificent and Beggar Land: Angola Since the Civil War”, o Ocidente adora um cleptocrata.
2 – Mesmo pelos padrões dos Estados petrolíferos, Angola é quase risivelmente injusta. Os oligarcas deixam gorjetas de 500 euros em qualquer restaurante da Europa, compram fotografias (ou relógios) por 500 mil euros.
(Tudo isto enquanto, em Angola, cerca de uma em cada seis crianças
angolanas morre antes de ter cinco anos.)
3 – Esta pequena, mas poderosa, cleptocracia é aceite como uma parte integrante do sistema ocidental, sendo os expatriados que fazem a economia angolana mexer, desde as consultoras que ajudam a definir a política económica até aos bancos que financiam os negócios do clã Eduardo dos Santos.
4 – Os oligarcas angolanos habitam a economia do luxo global das escolas públicas britânicas, dos gestores de activos suíços, das lojas Hermès, etc..
(Tudo isto enquanto em Angola cerca de 20 milhões
de angolanos sobrevivem na pobreza.)
5 – A clique dirigente consiste largamente numas poucas famílias de raça mista da capital, que considera que os cerca de 21 milhões de angolanos negros no mato ou musseques são imperfeitamente civilizados, e com pouco desejo para os educar.
6 – Por trás de cada magnata angolano há uma equipa de gestão maioritariamente portuguesa que não se preocupa com as consequências da sua gestão. Por isso os estrangeiros bombam petróleo, fazem luxuosos vestidos e constroem aeroportos sem sentido no meio do nada.
(Tudo isto enquanto o regime do MPLA ostenta com redobrado
orgulho a primeira posição mundial do reino a nível da mortalidade infantil.)
7 – Os membros do clã Eduardo dos Santos fazem luxuosas viagens à Europa e passeios entre capitais europeias recorrendo a aviões a jacto.
8 – O dinheiro dos governantes e o dinheiro do Estado é a mesma coisa. Todo ele é roubado ao Povo. Mas como o dinheiro não fala, empilham-no nos bancos da Europa (e não só) e gastam-no como lhes dá na real gana: compram quadros, cirurgias plásticas, casas de praia e empresas.
9 – O perfil do cliente de elite angolano em Portugal, por exemplo, que representa mais de 40% do mercado de luxo português, revela que se trata sobretudo de homens, empresários do ramo da construção, ex ou actuais generais ou com ligações ao governo. Vestem Hugo Boss ou Ermenegildo Zegna. Compram relógios de ouro Patek Phillipe e Rolex.
(Tudo isto quando 70% dos angolanos apresentam um perfil de pé descalço,
barriga vazia, (sobre)vive nos bairros de lata, é gerado com fome,
nasce com fome e morre pouco depois com… fome.)
10 – Esses angolanos de primeira não olham a preços. Procuram qualidade e peças com o logo visível. É comum uma loja de luxo facturar, numa só venda, 300 mil euros, pagos por transferência bancária ou cartão de crédito.
11 – Por outro lado, no país dos angolanos de segunda, 45% das crianças sofrem de má nutrição crónica e uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos.
12 – Na joalharia de luxo, os angolanos de primeira (todos afectos ao regime) também se destacam, tanto pelo valor dos artigos que compram como pela facilidade com que os pagam. Chaumet, Dior e H. Stern? Sim, pois claro. O preço não é problema. Quanto mais caro melhor. Comprar uma pulseira por 400 mil euros é como comer um pires de ginguba.
13 – Em Angola o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.
14 – Refeições? Que tal trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e uma selecção de queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas, com cinco vinhos diferentes, entre os quais um Château-Grillet 2005?
15 – Quanto ao Povo, a ementa dessa subespécie é fuba podre, peixe podre, panos ruins, 50 angolares e porrada se refilarem.
Por tudo isto, enquanto se espera o regresso, a todo o momento, ao reino de um presidente nunca nominalmente eleito e há 38 anos no poder, é caso para dizer: Parabéns Presidente!